Para
autores como Piaget e Vygotsky, entre outros, o desenvolvimento
infantil é visto como fenômeno do processo de vida que, como na maturidade ou
velhice, denotam mudanças biopsicossociais específicas implicadas no
crescimento individual. Trata-se, pois de um processo universal, mas
individual, próprio de cada pessoa, passando por situações comuns, que exigem
diferentes maneiras de lidar. O entendimento das particularidades inerentes a
esse processo é importante para não deixar que os possíveis problemas de
aprendizagem atrapalhem o desenvolvimento natural da criança. O apressamento
cognitivo é um dos fatores que podem impedir a criança de se desenvolver
naturalmente, com consequências para o prosseguimento da construção do
conhecimento.
De acordo com Bossa (2000), o ser humano tem uma
tendência nata para a aprendizagem. No entanto, é essencial educar e preparar a
criança para aprender. A esse respeito, diz Parolin (2003 16): “Nós adultos,
temos o compromisso de ajudar as crianças a se desenvolverem e a construírem o
seu lugar no mundo”. Weiss (2002, p. 18), complementa a ideia ao dizer que é
necessário possibilitar à criança, “o nascimento do prazer de aprender”. No
entanto, tal desenvolvimento não se faz de uma hora para outra, ele obedece a
estágios que correspondem à faixa etária em que elas se encontram. Segundo
Vayer (1982) para que a criança se desenvolva é necessária a sua interação com
o seu corpo, com o mundo dos objetos (no qual ela cresce e exerce seu Ego) e
com o mundo dos outros. Deve-se considerar que experiências desagradáveis e
falta de interação dificultam a aprendizagem. Para Piaget (1978), o
conhecimento é construído de uma forma aberta e gradativa, de maneira que
exista sempre uma abertura em que um conhecimento propicie outro. Isso se dá
por meio de fases hierárquicas caracterizadas pela presença de estruturas bem
definidas, quais sejam: sensório-motor; pré-operatória; operatório-concreta; e
operatório-formal. Estas fases, embora não sejam rígidas, estão dispostas
hierarquicamente e são bem definidas estruturalmente. Vygotsky (1989) defende a
interação social como ponto crucial do desenvolvimento cognitivo, mas para esse
autor, aprendizagem e desenvolvimento são independentes. Referindo-se à
aprendizagem escolar, sua premissa básica é a de que esta nunca parte do zero.
Toda aprendizagem da criança na escola tem uma fase pré-escolar. Quando, por
exemplo, ela começa a aprender aritmética, ela já tem noção de quantidade. Isso
comprova que a construção do conhecimento, pela criança, obedece às fases
postuladas por Piaget, pois a criança já passou por uma fase de aprendizagem
aritmética, anterior à sua entrada para a escola. Vygotsky confirma essa
premissa ao dizer que a aprendizagem nunca começa no vácuo. Ela é sempre
precedida por uma etapa bem definida, alcançada, pela criança, antes de entrar
para a escola e faz parte do desenvolvimento da criança. A fase escolar é
correspondente a um novo processo e está ligada ao desenvolvimento do sistema
nervoso central. A aprendizagem escolar orienta e estimula processos internos
de desenvolvimento.
Mas o desenvolvimento da criança apenas segue o
processo de aprendizagem. Não é paralelo, apesar de requerer certa dependência.
Além do estreito relacionamento com o meio social, para aprender, a criança
também precisa inteirar-se com seu próprio corpo e isso requer
“pré-requisitos”, pois seu desenvolvimento só é possível a partir da existência
de um determinado número de estruturas anatômicas e de organizações
fisiológicas que ela traz ao nascer: uma organização corporal e visceral, um
sistema endócrino e nervoso que garanta o funcionamento biológico elementar
(AJURIAGUERRA, 1985). O desenvolvimento dessas estruturas dá aptidão natural à
criança, para a aprendizagem, mas existem alguns pré-requisitos que precisam
estar desenvolvidos para evitar a ocorrência de falhas no processo. Morais
(1986) denominam tais pré-requisitos de conceitos, que a criança deve adquirir
durante o período anterior à alfabetização. Assim, pode-se elencar como
pré-requisito para a aprendizagem o desenvolvimento e a percepção do esquema
corporal, a coordenação motora global, a coordenação motora fina, a
lateralidade, a orientação espacial e a orientação temporal. São percepções que
a criança apreende antes do período escolar.
Estando desenvolvidos esses conceitos, a criança
estará pronta para o processo ensino-aprendizagem, desde que sejam respeitadas
as suas fases naturais de desenvolvimento, como postuladas por Piaget. No
entanto, ocorre um processo comum promovido principalmente pelos pais, a que se
pode chamar de apressamento. Vários estudiosos trouxeram contribuições
importantes para o estudo dos problemas de aprendizagem. Entretanto, sobre o
apressamento da aprendizagem, ainda há pouca literatura. Sendo assim, tenta-se
aqui, comprovar, por meio dos problemas de aprendizagem, alguns que podem estar
enraizados no apressamento induzido pelos adultos à criança. São vários os
fatores que podem interferir no processo ensino-aprendizagem, podendo
manifestar-se nos aspectos orgânico, psicológico, cognitivo e social. No
aspecto orgânico pode-se mencionar a verminose, a disfunção neurológica, o
“nervosismo”, problemas de visão e audição (SCOZ, 2002). As disfunções
orgânicas e neurológicas são facilmente detectáveis, embora nem sempre
corrigíveis. Quando detectadas, deve-se encaminhar a criança ao profissional competente.
Os aspectos psicológicos podem ter implicações para as crianças como os
relacionados à afetividade, problemas familiares e o próprio contexto escolar. Via
de regra, o problema do apressamento ocorre em famílias de classe média ou
alta, com altos aportes culturais, cuja ambição estende-se aos filhos.
A reputação de que os filhos se saem bem na escola
também concorre para com o apressamento. Famílias de baixa renda e pouca
escolaridade desconhecem os níveis de desenvolvimento da criança e costumam
obedecer ao que é determinado pela escola. Essa afirmação está assentada na
teoria de Vygosty (1989, p. 66), para quem “o desenvolvimento da estrutura
cognitiva do ser humano mantém uma relação muito estreita entre maturação e
cultura”. A esse respeito, Parolin (2003, p. 28) afirma que os pais promovem
uma corrida “para a qual a criança não está preparada — uma corrida contra ela
própria, contra suas possibilidades maturacionais”. De acordo com essa autora,
as consequências podem ser várias, entre as quais, o desestímulo para a
aprendizagem. A criança que vive em um ambiente de maior nível cultural
aprenderá conceitos que podem levar os pais a pensarem que ela já está madura o
suficiente para encarar a aprendizagem formal, sem que percebam a necessidade
dos outros níveis de maturação.
A escola é tão ou mais responsável pelo
apressamento da aprendizagem quanto os pais da criança. Compreende-se que a
vida apressada e inquieta dos dias atuais torna a escola uma necessidade. Esta,
por seu turno, deve estar preparada para receber todos os tipos de crianças,
das mais desenvolvidas às menos desenvolvidas. Para ajudar a solucionar os
problemas das famílias que não têm onde deixar os filhos e iniciar a
aprendizagem existe a pré-escola. Ela deve auxiliar o desenvolvimento das
diversas faculdades da criança, sem cansá-las, sem oprimi-las, sem excesso e,
principalmente, sem apressar sua seriação.
Nessa fase escolar, os professores deverão
compreender que a produção da criança indica possibilidade e não produto
(SAMPAIO, s/d). Quer dizer, a criança ainda não está pronta para obter
resultados do tipo “oficial”, pois, como postula Vygotsty (apud OLIVEIRA, 2003,
p. 56), “o aprendizado está relacionado ao desenvolvimento e é um aspecto
necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas
culturalmente organizadas e especificamente humanas”. Ao seu tempo, a criança
chegará ao “produto”, basta esperar sua necessária maturação.
Os problemas de ordem cognitiva, chamados de
transtornos de aprendizagem, apresentam-se relacionados principalmente com a
aprendizagem da leitura/escrita e da matemática. Aprender a ler, escrever e
calculas exige maturidade e o aparecimento de problemas nesse aspecto pode
estar relacionado ao apressamento cognitivo. Outro problema que o apressamento
pode trazer para a criança é a falta de concentração, que implica numa dinâmica
física, mental e emocional. Isso não quer dizer que a criança não seja
absolutamente normal, apenas que ela não está ainda suficiente madura para
enfrentar o cotidiano da sala de aula. De acordo com Vayer (1982), é aos sete
anos de idade que a criança passa a possuir capacidade de atenção bastante
importante para ficarem muitas horas do dia em situação de aprendizagem. A
individuação perfaz outro problema do apressamento da aprendizagem. Deve-se lembrar
de que o processo ensino-aprendizagem é mediado pelo professor, na escola, e
pelos pais, em casa. A criança que não tem todos os pré-requisitos para a
situação escolar será incapaz de assumir responsabilidades pela sua vida de
estudante e até mesmo de sua auto-expressão. Ficam parecendo como bolas de
pingue-pongue, ora fazendo o que os pais mandam, ora o que o professor manda
sem saber exatamente o que deve ser feito. Essa situação poderá afetar a
formação da sua personalidade, tornando-se uma pessoa dependente, tímida e sem
vontade própria, prejudicando todo o seu futuro. Como diz Vayer (1982), a
educação deve ter em conta a realidade individual do aluno. Assim, se ele não
corresponder ao ensino, é porque sua maturidade ainda é insuficiente. E ainda, outro
problema pode ser apontado pelo apressamento da aprendizagem — a interação
social. De acordo com Piaget e Vysgosky, a interação social também é fator de
desenvolvimento cognitivo, porque produz intercâmbio de ideias entre as
pessoas. Crianças costumam inteirar-se com os seus iguais e um fator importante
nessa igualdade é a idade. Se a criança de menos idade encontrar-se sozinha
numa classe de alunos com idade acima da sua, ela poderá ser rejeitada. É comum
assistir outras crianças dizerem que “aquele ainda é um bebê” e se recusarem a
deixá-la entrar no grupo. Há que se considerar que o cérebro da criança, “é um
sistema que funciona globalmente, organizando toda a informação segundo as
prioridades e lhe dando uma significação que a remaneja e a organiza num todo
coerente” (VAYER, 1982, p. 40).
A rejeição do grupo poderá levar a criança a
afastar-se do convívio social, desorganizando o seu funcionamento e trazendo consequências
para o seu desenvolvimento natural. Enfim, a aprendizagem é um processo natural
do ser humano, mas o apressamento da aprendizagem formal não lhe traz
benefícios porque, segundo Picq e Vayer (1988, p. 35-6), toda atividade exige
três etapas funcionais ligadas entre si e dependentes umas das outras: “o PODER
que corresponde à integridade dos órgãos motores, o SABER, que corresponde às
coordenações das diversas sensibilidades permitindo a passagem ao plano psíquico,
o QUERER que corresponde à consciência”. Quer dizer, não adianta pais e
professores terem poder de decisão sobre o indivíduo se não houver integridade
entre os seus próprios órgãos para o seu desenvolvimento integral; também de
nada adiantará aos pais e professores decidirem que a criança está pronta para
enfrentar o cotidiano da sala de aula se ela, em sua globalidade, mesma não
estiver consciente disso. O seu próprio corpo dará um jeito de não querer esse
desenvolvimento.
Ao interromper o seu processo natural de
desenvolvimento, pode-se estar retardando a aquisição dos seus conhecimentos
escolares, ocasionando um processo contrário aos objetivos do apressamento.
FONTE BIBLIOGRÁFICA:
MORAIS,
Antônio Manuel Pamplona. A relação entre a consciência fonológica e as
dificuldades de leitura. São Paulo: Vetor, 1997.
OLIVEIRA,
Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento. Um processo
sócio-histórico. 4. ed. São Paulo: Scipione, 2003.
PAROLIN,
Isabel. É proibido proibir. Porto Alegre: Mediação, 2003.
PIAGET, Jean. Fazer e compreender. São Paulo: Melhoramentos, 1978.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
WEISS, Maria Lúcia L. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 9. ed. Rio de Janeiro: DP%A, 2002.
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