A
biblioteca do escritor e professor Mário de Andrade, na segunda metade da
década de 1930, guardava uma coleção que pareceria estranha para quem visitasse
a casa do intelectual das letras naquela época: um acervo com mais de mil
desenhos produzidos por crianças.
O
educador começou a coleção quando foi responsável pela criação de parques
infantis na cidade de São Paulo em 1935, ocasião em que ocupou o cargo de chefe
do Departamento de Cultura da prefeitura da capital paulista. Neles, o escritor
promovia concursos de desenhos e incentivava outras atividades artísticas entre
os pequenos.
"Mário
de Andrade foi um dos primeiros pensadores da Educação Infantil no país a
acreditar na valorização das produções das crianças e a colocar a atividade
artística como um dos fundamentos desse segmento", explica a professora da
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Márcia Gobbi.
Apesar
do interesse e esforço isolados de educadores como Mário de Andrade, a Educação
Infantil levou muito tempo para se desvencilhar do caráter que a pontuou desde
o início: a assistência social. Essa demora foi de quase um século - o primeiro
jardim da infância foi inaugurado em 1895, em São Paulo. Mudanças estruturais
começaram somente na década de 1970, quando o processo de urbanização e a
inserção da mulher no mercado de trabalho levaram a um aumento significativo na
demanda por vagas em escolas para as crianças de 0 a 6 anos. Como não havia
políticas bem definidas para o segmento, a expansão de instituições de Educação
Infantil nessa época foi desordenada e gerou precarização no atendimento,
feito, em geral, por profissionais sem nenhuma formação pedagógica.
Em
1975, o Ministério da Educação começou a assumir responsabilidades ao criar a
Coordenação de Educação Pré-Escolar para atendimento de crianças de 4 a 6 anos.
Ainda assim, o governo continuou promovendo, em paralelo, políticas públicas
descoladas da Educação. Em 1977, foi criada, no Ministério da Previdência e
Assistência Social, a Legião Brasileira de Assistência (LBA), com o objetivo de
coordenar o serviço de diversas instituições independentes que historicamente
eram responsáveis pelo atendimento às crianças de 0 a 6 anos. Essas
instituições eram divididas em: comunitárias, localizadas e mantidas por
associações e agremiações de bairros; confessionais, mantidas por instituições
religiosas; e filantrópicas relacionadas a organizações beneficentes. A LBA foi
extinta em 1995, mas o Governo Federal continuou a repassar recursos para as
creches por meio da assistência social.
Nesse
mesmo período, se intensificou uma separação entre o atendimento nas creches,
de 0 a 3 anos, visto como algo destinado às camadas populares, e a pré-escola,
segmento voltado para as classes média e alta. "Essa é uma separação que
funda a Educação Infantil no país. As creches, totalmente financiadas pela
assistência social, eram vistas como uma alternativa de subsistência para
crianças mais pobres e estavam orientadas para cuidados em relação à saúde,
higiene e alimentação. Já a pré-escola passou a ser encarada como a porta de
entrada das crianças ricas na Educação", analisa a ex-coordenadora de
Educação Infantil do MEC, Karina Rizek.